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quinta-feira, 19 de março de 2009

Os bagaços da ditadura brasileira





A ditadura que nos afligiu durante 25 anos deixou-nos sequelas que, até hoje, nos importunam e prejudicam o avanço da cidadania e do processo democrático em nosso país.Ao contrário do editorial da Folha de São Paulo renomeando-a de Ditabranda, motivo suficiente para que todos os assinantes do jornal cancelassem suas assinaturas, tal a imbecilidade nele contida, foi uma ditadura feroz nos seus desígnios de barrar o desenvolvimento social de todo um povo.

Uma das piores sequelas por ela aplicadas contra o povo brasileiro , o bagaço de todos esses anos de censura, mentiras, bajulações, pusilanimidades, iniquidades, foram os falsos heróis, que nos mostram hoje os pés de barro sujos de corrupção e ganância.Ser contra a ditadura num mundo dividido entre mocinhos e bandidos era um patamar ao qual se chegava sem muito esforço, testemunho eu.

Militei entre revolucionários de chanchada que depois se mostraram a que vieram, transformando-se em alcaguetes.
Quando fui preso, em 1966, em episódio já narrado no Bloguz, o delegadão do DOPS (na década de 90 morreria cego e odiado pelos filhos) encarregado do IPM, Inquérito Policial Militar, sobre o XXVIII Congresso da UNE em nossa cidade( e o acirramento da mobilização estudantil dele resultante), conhecia todos os meus passos de membro do Partidão, todas as reuniões, datas, conchavos e conclusões. E de outras organizações, como a Ação Popular, de cujas belas militantes eu me ocupava em sonhos românticos, dificilmente concretizados . Vangloriou-se que todas as organizações eram infiltradíssimas de agentes pagos pelos orgãos da repressão.E como até então tinha como certo ter sido eu o autor da façanha de quebrar-lhe a perna, nos combates de rua de setembro , prometeu-me solenemente que, na próxima prisão, minhas unhas seriam as primeiras a serem arrancadas.

Acreditei nisso, recolhí-me e iniciei um processo duro e inevitável de revisão dos meus projetos futuros em que radicalizavam meus amigos, na direção da luta armada, insuspeitos da armadilha a que eram conduzidos.Fora chamado até para exercitar-me em tiro ao alvo, nas cercanias do condomínio Morro do Chapéu. Considerando a minha miopia de altos graus, ponderei-lhes que eu me tornaria uma ameaça maior do que os tanques do exército. No filme antológico de Ettore Scola, Casanova e a Revolução, o galante personagem, vivido por Marcelo Mastroiannni, envelhecido, ao ser cortejado por uma dama que quer incorporar-se à sua estatística horizontal, afirma com muita propriedade: A juventude é um defeito que a natureza logo se apressa em corrigir. Nada mais sábio.

Amadurecí em semanas. O único contato que mantive com a nova organização que se dissentia do velho Partido de Luiz Carlos Prestes foi com o seu principal mentor, o ex- jornalista paraibano Mário Alves, nos seus quase cinquenta anos, um intelectual de espírito e simpatia, que nos visitava em nosso apartamento do edificio Senhora do Carmo, a mim e meu irmão, para discutirmos opções políticas e suarentas teorias do século XIX (?), em livros dos quais nunca consegui ler mais que um capítulo ( o marxismo foi escrito para ser lido nas tundras russas, nunca sob esse sol de carnaval), tentando cooptar-nos para sua nova linha de luta armada, e principalmente criticarmos álacremente as velhas lideranças stalinistas.

Ainda lembro-me dele, sentado na cama de meu irmão, em frente à minha, rindo, o rosto largo e raspado do bigode que apresentava nos registros policiais. Dois anos depois, denunciado por um dos seus liderados, sob tortura, Mário seria preso, e na PE do Rio , flageladíssimo, inclusive com empalações de cassetetes, de cujas sequelas morreria de hemorragia sem nenhum socorro médico.

Foram muitos os que conhceci ,cujos destinos se revelaram ainda piores.
Lembremos de alguns casos exemplares como o de José Júlio Araújo, amigo de noites do edificio Maletta,
(revelaria uma ocasião que amava uma ex-namorada que me trocara por um futuro melhor em Brasília,
de quem decorara todos os detalhes anatõmicos, á distância ) .

Depois de um período de treinamento em Cuba, é recebido em 1972 no Brasil pelo infiltrado-mor da repressão, o ex-cabo marinheiro Anselmo.
Esse triste personagem, ainda vivo, oculto nas sombras do remorso, esperança maior da ala militarista da esquerda, de lendária fuga em 1965 de uma das prisões da Marinha, se bandeara com armas, nomes e destinos à sua mercê para o colo de Sérgio Fleury, o carrasco-mor incensado pelos militares (morreria em 1979, ao tentar passar de um barco para outro, embriagado) em cujas mãos havia os resquícios do DNA de dezenas de mortos sob tortura e assassinatos, entre eles o nosso Che, o ítalo-mulato-baiano, Carlos Marighela, ex-estudante de engenharia em Salvador e aplicado comissário político do PCB, com o qual romperia em 1965, impaciente com a passividade dos velhos líderes, inebriado pelos feitos de Fidel e Cuba. Foi dele a criativa idéia de utilizar os sequestros de autoridades para a obtenção de frutos pollíticos, uma prática que se disseminaria pelo mundo inteiro. O cantor e compositor mineiro Marku Ribas está digno de um Oscar no papel de Marighela no filme Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton, baseado no livro homônimo de Frei Betto.

José Júlio, ao desembarcar, fora enviado ao contato local, na pessoa do ex-cabo Anselmo. Foi preso sómente depois de visitar os outros contatos indicados pela organização em Cuba, que não eram do conhecimento de Anselmo. Só então foi preso, denunciando inadvertidamente toda uma estrutura da resistência, com todos presos e barbarizados. Zé Júlio, codinome o Jota, sucumbiria após doze horas de suplício, com uma sequência macabra de seus despojos. Enterrado clandestinamente, seu irmão mais novo, médico, consegue resgatar-lhe os ossos, embala-os numa caixa, e esconde o volume sob o telhado, em Belo Horizonte. Transtornado ao saber com detalhes da via-crucis do irmão , suicida-se.Os restos mortais de José Júlio são descobertos por acaso, muitos anos depois, quando um operário sobe pelo alçapão e descobre-os.

Como não lembrar de Maria Auxiliadora Lara Barcellos, belíssima estudante de medicina de olhos claros de esmeralda, minha colega amanuense do DER/MG, do seu sorriso muito parecido ao da também bela atriz Sigourney Weaver (Alien), de sua elegãncia de mulher no auge da beleza juvenil, de sua letra caligraficamente perfeita? Militante da Colina, uma resultante para a luta armada do grupo da POLOP (Politica Operária, admiradores de Mao Tsé Tung e seus livrinhos vermelhíssimos), em 1971 seria presa, e mulher e bela, torturada sob inúmeros estupros. Resgatada através um dos sequestros de embaixadores no Brasil, se exilaria no Chile, de cujo golpe também fugiria já transtornada e deprimida, e depois se suicidaria sob as rodas do metrô de Berlim, fugindo para sempre da violéncia pontillhada na América Latina.

Uma violência ungida e planejada por Kissinger e asseclas da CIA em seus confortáveis escritórios ás margens do Potomac, em Washington. Quando vejo esse resquício do pior envolvimento americano no cerceamento libertário de nosso continente, sempre me espanto porque Henry Kissinger ainda não foi julgado pelo Tribunal Internacional de Haia, responsável que foi pela orquestração de crimes contra a Humanidade, principalmente os ocorridos no Brasil, Argentina e Chile.

Há pouco descobriu-se que vive em Belo Horizonte o sr. José Tavares, idôneo executivo de empresa, que, estudante de letras, sucedeu-nos na diretoria da UEE, a União Estadual dos Estudantes, nos idos de 60. Tavares também logo optaria pela luta armada e preso, sem que o sinistro Fleury lhe encostasse um dedo, passou a ser um agente da repressao infiltrado na maior organização da resistência, a ALN, a Aliança Libertadora Nacional, fundada por Marighela e, após sua morte, comandada pelo intelectual competente e corajoso, oriundo também dos quadros originais do PCB, Joaquim Câmara Ferreira, alcunhado O Velho.
Tavares participou então de uma armadilha orientada por Fleury, e qual Judas, entregou o Velho à sanha torturadora, da qual morreria durante uma das seções torturantes a que o submeteram.

E, finalmente, entre tantos outros tristes casos, há a morte , também sob tortura de José Carlos da Mata Machado, advogado e herdeiro nominal de um dos nossos melhores intelectuais e eruditos mineiros, o professor José Edgar da Mata Machado, um sobrenome famoso, presente em inúmeros outros sábios, como o aclamado filólogo Ayres, seu irmão, frutos da fecunda cidade de Diamantina. José Carlos, os cabelos negros bem penteados, corajoso e alegre como um gitano de Garcia Lorca, promessa maior da veneranda Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, foi denunciado por seu próprio cunhado, sem nenhuma outra justificativa além da pura ignomínia, pois Gilberto, esse é o nome, não mais militava .Sua existência era ignorada completamente pela repressão.
Zé Carlos, cansado da clandestinidade, os sonhos exauridos, optara por exilar-se , e pedira para ser resgatado pelos familiares.Graças à denúncia psicótica do cunhado, é praticamente sequestrado do carro onde estava sendo conduzido. É levado então a Recife, e assassinado. Como era frequente, a notícia de sua morte foi divulgada com a mentira de que sucumbira sob um tiroteio dos próprios companheiros.

Sim , tudo isso foi um triste período vivido pelo nosso rincão verde-amarelo, e como eu disse, dele restou um bagaço que se arvora heróico, e disso se aproveita para justificar melancólicos desdobramentos.Na lista que se segue, cujos comentários não são de minha lavra, estão alguns desses militantes. Alguns, se corromperam e muitos , felizmente, não. Como Cid Benjamim, que se jogou na luta armada aos 15 anos,
acreditaram ainda em alguma esperança como o PT, mas logo se desiludiram, e hoje suas vozes ressoam críticas e independentes.
Os outros, esses nós acompanhamos através dos boletins periódicos e usuais da Polícia Federal.

Um abraço
do Guz.

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